sábado, 23 de julho de 2011

Entre a dor e o riso (a cela fria)

Sentava-se ao seu lado e começava a fantasia: ele queria o sonho, o delírio, a cova preparada, a morte. Episódios de silêncio sepulcral intercalavam-se com a mania, quando investia num vocabulário pesado sobre os planos, os sonhos de ter uma casa, um carro, ser alguem famoso. Queria uma vida. Um karaokê. Coisas distorcidas que a mente dela não conseguia acompanhar. Delírios, sonhos que voavam mais alto que suas asas (dela).

Tentava acompanhar os passos, mas sempre tropeçava no caminho, deixando os rastros que a imperfeição humana não conseguem alcançar. Apenas os olhos passeando sobre aquele rosto iluminado pelo brilho da loucura. Como as sobrancelhas de Frida Khalo, asas negras que se partiam ao meio, a testa ora franzida, ora esticada enormemente entre as orelhas.

Muitas vezes ficava trancado na cela fria e ficava lá por dias e dias. Levavam-lhe a comida, os remédios. Depois voltava ao delírio.

- Por que? - ela nunca perguntou quando o encontrou com a arma encostada à cabeça, quase ao ponto do tiro. Mas não quis saber mais nada, não perguntou.
Deitou sobre o corpo trêmulo, em convulsão, e ficaram um só debatendo-se com a morte. Até quando? Uma história curta: choque elétrico, sonoterapia, tremores, delírios, sucumbiam evidentemente à violência da doença. Gostava que ela espremesse as espinhas do seu rosto de adolescente.
.....
Foi-se o menino, era agora um homem - e continuava na cela fria. Um história breve, ele já tinha morrido e partes dela tambem estavam soterradas na água fria.

Do choro ao riso, as fases intercalavam-se. As paredes, frias, ainda se lembra. O corpo gelado, no entando, não teve coragem de tocar. "Estou aqui para dizer a verdade" - pensava. Mas nunca disse: um silêncio retrucava o outro, era necessário.

Uma vez ouviu algo como "um anjo", mas um homem mau (falava como uma criança) disse que era mentira, que ela não tinha ouvido nada.

(Como já disse antes, foi uma história curta. As paredes sabiam, porisso ela tinha medo de tocá-las. Não encontro euforismos para a palavra morreu. Mas ele morreu. Mas era vivo, inteligente...e vivo. E vivo. "Ele vive dentro de você" - outro euforismo ridículo...vive dentro de mim - mal posso comigo!).

Ela não viu a cena. Diz a lenda que ele afundou com os braços cruzados sobre o peito. Um buraco negro e profundo engoliu seu corpo pálido e magro. Ficou entre as pedras, solitário, não vivido, oscilante entre o choro e o riso.

- Estou aqui, ela sussurrou aos seus ouvidos mudos - para sempre.

...ele ouviu (eu sei).


OlgaMota

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