sábado, 29 de janeiro de 2011

Da VerdadeSurreal


É tudo muito fácil, muito simples,
Nada que temer

Copio um pouco do texto sagrado,
Releio

Sopro algumas velas e as apago,
É o ritual

Deito-me de bruços, engulo o sono,
Insônia que me mata

Na velha cabeceira o novo livro que não leio

A verdade incendiou o pé da cama

Isso foi ontem...preciso deletá-los -
Ela, a verdade, o pé da cama...

Engulo um pouco de paz,
Vago alguns instantes em lerdos espasmos -

Alguem morreu na praça
Queimou-se num pé de pau.

A maldade me revira e durmo do lado contrário.

OM

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

muito estranho (diário de uma viajeira)


De repente, o sol queimando, eu negra. Nunca havia sentido?
Não. verdade.
Estou escura.

Faltas e ausências sentidas, minha mente ficou
na chuva.

Sigo, estranhando versos que não leio e presentes estranhos em cima da mesa.
Ninguem entende.

(estou no manicômio)

MAJM

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A mulher que matou seu pai (conto)


Não se sabe o que aconteceu naquele período que antecede à morte. Talvez dores ou outras agonias intrínsecas, talvez apenas um abalo no coração, ou talvez nada, pois o cérebro já estava morto. Não havia mais sinais vitais. Era um corpo sem pensamentos, inumano, sem contatos com a consciência, memória, sentidos.

Sua incumbência era ficar apertando aquela espécie de fole para que o ar circulasse e mantivesse vivos os pulmões enquanto o médico submetia o homem a um exame comprobatório da morte cerebral. Tinha que seguir um ritmo de forma a garantir essa circulação que mantinha o pai “vivo” enquanto desligado da máquina.

No entanto, de repente, num súbito lance de desistência, ela foi afrouxando a mão, diminuindo o ritmo, até sentir que o ar insuflado não seria suficiente para manter a falsa respiração dentro do corpo morto.

Numa fração de segundos seu olhar cruzou com o olhar do médico. Um misto de cumplicidade e espanto, e que Deus a perdoe!, uniu os dois (assassino e cúmplice) - até que ela parou de apertar o fole.

Naquela hora o último sopro de vida artificial que sustinha seu pai estancou.

 Agora uma vaga lembrança, uma saudade horrivelmente doída e sentimentos confusos :"você matou seu pai": a voz soava dia e noite aos seus ouvidos, como uma sentença vinda de sons divinos, do dador da vida.

Ela não tinha esse direito. Agora só lhe restava morrer tambem.

Esperava a hora certa, mas sabia que essa hora não haveria, que ela, somente ela, superando o medo, e suportando a dor da sentença, teria que decidir quando parar de respirar e de viver essa vida artificial de culpa.


Olga Mota

Sagazes cicatrizes


No reboco -
ostensivo!
o teu retrato:
tuas mãos
enormes
frias
teu brilho
tua luz
tua maciez

- ai!

Arrancar-te,
derrubar-te
os alicerces
(asas)
que fincaram
raízes nesta casa,
surrupiar teus versos
escritos na geladeira
apagar estrelas
que brilharam
sob o mesmo teto
onde estou suspensa
de castigo e raiva.


(alcatrazes
prendem o amo
ao seu escravo)

Falos
Magias
Tudo
que te lembra
que te vem
e que te vai...
esse destempero
a desesperança,
danem-se!

Sirvam-se
os destroços
destes teus
farrapos,
do teu corpo
em brasas
apagadas.

Danem-se
os bardos
que atiram
a força dos seus
dardos-
seus dedões
enormes
danem-se!

Enquanto
apago
cicatrizes
no reboco
do passado,
quero
apenas
o desasossego
dos calos
nos sapatos
ardentes
nas calçadas.

OlgaMota

Malamada


Mala Amada

Você já se sentiu como uma mala?

Uma mala velha, desengonçada, maltratada, sem ziper, sem alças, esborrotando de roupas sujas ou usadas, uma mala dessas antigas, sem rodinhas, escura, triste, arrastada pelas escadas, sendo enfiada em buracos escuros, de qualquer jeito, sem o menor cuidado: mala velha, desgraçada!

Arrastada no metrô, enfiada na traseira de um carro velho reformado, jà?

Já se sentiu ultrapassada, desleixada, mal-amada, rotunda e furibunda, despejada, e afinal jogada debaixo da cama...para ser usada numa próxima viagem?

E se não houver a viagem, para que serve a mala? - Oras, para guardar sapatos velhos, comprovantes de pagamentos do século passado, roupas de inverno no verão, ou, no verão, da moda ultrapassada...

Às vezes lhe passam um paninho, ou doam, emprestam, e nem sequer pedem seu resgate?

Já lhe puseram os pés em cima, como se fosse capacho, e às vezes nem lhe tiram as baratas mortas que se acumularam?

Já sacolejou de ônibus ou no trem da Central, ladeira abaixo, ladeira acima, sem o mínimo cuidado?

Que fazer com a velha mala, que não mais se encaixa debaixo da cama - as camas hoje tão baixas...qualquer um sobe nela, mas...a mala – não, ela ocupa muito espaço.

Você já implorou: me põe dentro da grande, dessa de rodinhas, toda ajeitadinha, de grife, marca renomada?

Embora mereça carinho, a mala não serve para nada, pois estão todos ocupados com suas próprias viagens.

Vai ter festa: leva a mala! “Ah, não sei, a festa é só pra casais”...Ih, ela pode ir ao batizado? “Não, não vai, a mala não entre em igreja!”

O churrasco, sim, pode levar a mala. Aproveita manda ela levar as cervejas, a carne, o carvão e a salada de batata...pois, afinal, para que serve a mala?

OlgaMota

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Cronicazinha



De onde eu andava, o dia parecia se arrastar solene. Sentada eu só via a praça. Os pombos beliscando, os mendigos mendigando, uma música muita alta vinda da enorme tenda de lona montada para as pessoas assistirem ao jogo de futebol, Brasil na Copa 2010. Sentia-me alheia a tudo e todos, possuida de um uma saudade enorme. Uma saudade indescritível de tudo e de todos, como se eu tivesse morrido. Sim, porque assim deve ser a saudade dos que morrem: por que todos tem vida? Prazer, dor, sentidos...estou tentando ouvir minha própria voz, estou tentando procurar sentidos. Invoco meu Deus mais uma vez e junto as mãos. Estou orando.

No meio da praça, vejo a corda bamba, me equilibro. A criança passa brincando com uma bola (cheiro de casa). O clima hoje está benevolente com os cidadaõs que há poucos dias estremeciam dentro dos seus casacões pesados, mas continuo trêmula, com o frio acumulado. A morte me amedronta em um certo sentido, talvez só na sua forma de acontecer. E levanto e vou andando no sentido norte-sul.

A música volteia, desenvolve-se, parece aumentar absurdamente em volume; a noite vai chegando e com ela a necessidade de voltar para casa.

Olho a criança, a bola, os mendigos, os pombos, sinto-me estranha, abduzida.Melhor eu voltar imediatamente antes que a noite me alcance e sua escuridão medonha me absorva e leve-me de volta ao meu planeta.
(copa 2010)

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

UM POUCO DE MENTIRA


Com o rosto intacto, intocado pelo tempo, Macabéa Alice caminha entre os viadutos. Seu passo é incauto, tanto incauto quanto sua alma, que não tem o menor cuidado com o que podem pensar, daí advenham talvez os seus castigos.Talvez independência demais, demais. Esse seu rosto intacto e esse seu passo incauto, esse fechar de olhos que quase nunca se levantam, portadora de uma dor que não para, que doi o tempo inteiro e empurra a pobre para lá e para cá, e como se fosse portadora de alguma doença venérea, os homens se afastam dela (ou elas os empurra). O que são esses impulsos de não inteligência, essa mansidão falsa, essa mulher empedernida como um pedaço de pau? Vislumbres de apagão (na mente) traem mais uma ilusão, um pesar, enquanto ela perambula.




Sem nenhum peso, vive suspensa entre o céu e o inferno, a verdade e a mentira, sem nenhum encanto, aparando as arestas dos excessos, suspensa entre mil nadas enquanto mil ferrões aferroam-lhe uma consciência daninha, desperta e acurada nas moralidades...e acurrada nos põrtões frios da liberdade que chama, chama, mas ela responde com um lamento vazio. A luxúria da vida é o que encanta uma alma pervertida - seria Macabéa uma alma pervertida, atraída pelo mal?

Um pouco de verdade: na realidade, ela não sabe o que está fazendo aqui ou acolá, como alma vagando não nega essa condição de andarilha, talvez não como um suporte para o vazio que dentro de si habita, mas como uma tábua de salvação, uma esperança. Sim...esperança. Disso vive a parte doce de Macabéa Alica Juliana - esperança! Já viveu a vida agora vive a esperança de vivê-la de novo. As mãos geladas, o nariz vermelho, agarrada ao casaquinho preto agora adornado por uma linda echarpe azul-turquesa, caminha, caminha...Há algum tempo observava as pessoas e via coisas, estava atenta, era como um cronista à espreita de captar alguma idéia, alguma conversa na mesa vizinha, uma discussão entre casais, entre namorados, e gostava do que via, para depois escrever suas histórias;


De repente, sim, não mais que de repente, ficou fútil e vazia. Ou a vida de outros já não lhe interessava mais. A sua própria vida interior não lhe interessava mais. Fosse o que fosse não lhe chamava a atenção. Virou um ser esquizofrênico, enrustido, enrolado em lençõis e travesseiros, o dia inteiro só espiando as luzes que contornavam o dia de várias cores diferentes. Os entendidos irão dizer: Macabéa não é mais aquela.
Foi convidada a escrever uma orelha de livro. Escreveu num ímpeto quixotesco as palavras (fortes!) que orelhariam o livro de um poeta desconhecido. Depois desse dias, um sentimento estranho tinha deixado-a naquela situação de apatia, estranhamento.

Sentia-se agora rejeitada pela cidade que ela tanto amava!

Um pouco de verdade: nesses passo arrastado, andando pela Paulista, de cabeça baixa, arrastando o corpinho magro, sentiu no rosto uma avalanche de uma coisa líquida gosmenta, repugnante.Um mendigo que vinha no sentido contrário, simplesmente, assim do nada, cuspiu-lhe na cara com toda a força uma rajada de um cuspe asqueroso, um cuspe cerrtamente ajuntado na boca suja há bastante tempo - pelo menos uma quadra antes. A moça levantou o rosto assustada e não entendeu, por supuesto, o por quê daquela cusparada tão violenta. Atônita, entre ânsias de vômito e um pavor ancestral que tinha das pessoas, ficou em dúvidas quanto à sua própria reação. Passou a mão pelo rosto e recolheu um pouco da baba nojenta que escorria pelo rosto frio. Correu para um bar próximo e passou quase correndo em direção ao banheiro, onde, depois de lavar o rosto, refazer a maquiagem, Macabéa se olhou triste no espelho. Seria por que era bonita, e aquele mendigo a olhou e desejou tê-la, e como não podia, a cuspia?: Seria assim? Que sentimento tão odioso teria despertado naquele velho homem...

As simples palavras que escrevia antes, com alegria, eram o seu alimento; agora, entanto, elas mesmas, as palavras regurgitavam em seu íntimo e se transformavam não em pérolas de alegria, mas em pedras engasgadas com ferro e fogo na garganta. Ela sofria. A cidade detestava-a.

Conclusão a que chegou Macabéa, depois da trágica cusparada que marcou para sempre sua vida - fato verídico.