terça-feira, 4 de janeiro de 2011

UM POUCO DE MENTIRA


Com o rosto intacto, intocado pelo tempo, Macabéa Alice caminha entre os viadutos. Seu passo é incauto, tanto incauto quanto sua alma, que não tem o menor cuidado com o que podem pensar, daí advenham talvez os seus castigos.Talvez independência demais, demais. Esse seu rosto intacto e esse seu passo incauto, esse fechar de olhos que quase nunca se levantam, portadora de uma dor que não para, que doi o tempo inteiro e empurra a pobre para lá e para cá, e como se fosse portadora de alguma doença venérea, os homens se afastam dela (ou elas os empurra). O que são esses impulsos de não inteligência, essa mansidão falsa, essa mulher empedernida como um pedaço de pau? Vislumbres de apagão (na mente) traem mais uma ilusão, um pesar, enquanto ela perambula.




Sem nenhum peso, vive suspensa entre o céu e o inferno, a verdade e a mentira, sem nenhum encanto, aparando as arestas dos excessos, suspensa entre mil nadas enquanto mil ferrões aferroam-lhe uma consciência daninha, desperta e acurada nas moralidades...e acurrada nos põrtões frios da liberdade que chama, chama, mas ela responde com um lamento vazio. A luxúria da vida é o que encanta uma alma pervertida - seria Macabéa uma alma pervertida, atraída pelo mal?

Um pouco de verdade: na realidade, ela não sabe o que está fazendo aqui ou acolá, como alma vagando não nega essa condição de andarilha, talvez não como um suporte para o vazio que dentro de si habita, mas como uma tábua de salvação, uma esperança. Sim...esperança. Disso vive a parte doce de Macabéa Alica Juliana - esperança! Já viveu a vida agora vive a esperança de vivê-la de novo. As mãos geladas, o nariz vermelho, agarrada ao casaquinho preto agora adornado por uma linda echarpe azul-turquesa, caminha, caminha...Há algum tempo observava as pessoas e via coisas, estava atenta, era como um cronista à espreita de captar alguma idéia, alguma conversa na mesa vizinha, uma discussão entre casais, entre namorados, e gostava do que via, para depois escrever suas histórias;


De repente, sim, não mais que de repente, ficou fútil e vazia. Ou a vida de outros já não lhe interessava mais. A sua própria vida interior não lhe interessava mais. Fosse o que fosse não lhe chamava a atenção. Virou um ser esquizofrênico, enrustido, enrolado em lençõis e travesseiros, o dia inteiro só espiando as luzes que contornavam o dia de várias cores diferentes. Os entendidos irão dizer: Macabéa não é mais aquela.
Foi convidada a escrever uma orelha de livro. Escreveu num ímpeto quixotesco as palavras (fortes!) que orelhariam o livro de um poeta desconhecido. Depois desse dias, um sentimento estranho tinha deixado-a naquela situação de apatia, estranhamento.

Sentia-se agora rejeitada pela cidade que ela tanto amava!

Um pouco de verdade: nesses passo arrastado, andando pela Paulista, de cabeça baixa, arrastando o corpinho magro, sentiu no rosto uma avalanche de uma coisa líquida gosmenta, repugnante.Um mendigo que vinha no sentido contrário, simplesmente, assim do nada, cuspiu-lhe na cara com toda a força uma rajada de um cuspe asqueroso, um cuspe cerrtamente ajuntado na boca suja há bastante tempo - pelo menos uma quadra antes. A moça levantou o rosto assustada e não entendeu, por supuesto, o por quê daquela cusparada tão violenta. Atônita, entre ânsias de vômito e um pavor ancestral que tinha das pessoas, ficou em dúvidas quanto à sua própria reação. Passou a mão pelo rosto e recolheu um pouco da baba nojenta que escorria pelo rosto frio. Correu para um bar próximo e passou quase correndo em direção ao banheiro, onde, depois de lavar o rosto, refazer a maquiagem, Macabéa se olhou triste no espelho. Seria por que era bonita, e aquele mendigo a olhou e desejou tê-la, e como não podia, a cuspia?: Seria assim? Que sentimento tão odioso teria despertado naquele velho homem...

As simples palavras que escrevia antes, com alegria, eram o seu alimento; agora, entanto, elas mesmas, as palavras regurgitavam em seu íntimo e se transformavam não em pérolas de alegria, mas em pedras engasgadas com ferro e fogo na garganta. Ela sofria. A cidade detestava-a.

Conclusão a que chegou Macabéa, depois da trágica cusparada que marcou para sempre sua vida - fato verídico.

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