sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A mulher que matou seu pai (conto)


Não se sabe o que aconteceu naquele período que antecede à morte. Talvez dores ou outras agonias intrínsecas, talvez apenas um abalo no coração, ou talvez nada, pois o cérebro já estava morto. Não havia mais sinais vitais. Era um corpo sem pensamentos, inumano, sem contatos com a consciência, memória, sentidos.

Sua incumbência era ficar apertando aquela espécie de fole para que o ar circulasse e mantivesse vivos os pulmões enquanto o médico submetia o homem a um exame comprobatório da morte cerebral. Tinha que seguir um ritmo de forma a garantir essa circulação que mantinha o pai “vivo” enquanto desligado da máquina.

No entanto, de repente, num súbito lance de desistência, ela foi afrouxando a mão, diminuindo o ritmo, até sentir que o ar insuflado não seria suficiente para manter a falsa respiração dentro do corpo morto.

Numa fração de segundos seu olhar cruzou com o olhar do médico. Um misto de cumplicidade e espanto, e que Deus a perdoe!, uniu os dois (assassino e cúmplice) - até que ela parou de apertar o fole.

Naquela hora o último sopro de vida artificial que sustinha seu pai estancou.

 Agora uma vaga lembrança, uma saudade horrivelmente doída e sentimentos confusos :"você matou seu pai": a voz soava dia e noite aos seus ouvidos, como uma sentença vinda de sons divinos, do dador da vida.

Ela não tinha esse direito. Agora só lhe restava morrer tambem.

Esperava a hora certa, mas sabia que essa hora não haveria, que ela, somente ela, superando o medo, e suportando a dor da sentença, teria que decidir quando parar de respirar e de viver essa vida artificial de culpa.


Olga Mota

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