terça-feira, 26 de outubro de 2010



crônica triste do domingo/adeus a Macabéa

Ela ouviu uma voz bem atrás, bem nas costas: "Maca!" Voltou-se rapidamente e seus olhos ainda não reconheceram de imediato a voz, antes de pararem no olhar: "Você"? Ela espantou-se. Sim, era eu.
Abraçamo-nos infinitamente, enquanto os sorrisos volteavam ao redor, dentro do metrô. Era eu e era Macabéa.

Depois de quase setecentos abraços e beijinhos no rosto, finalmente sentamos nos bancos duros do trem e começamos a falar atabalhoadamente sobre o futuro, o passado, o presente. Há muito tempo não nos víamos. Desde o ginásio. Somos primas, mas ela casou-se com um banqueiro e mundos diferentes afastaram-nos. Nunca mais nos tínhamos encontrado. Aquele encontro poderia vir a ser a vida inteira que não tinha sido: o principio do retorno de uma amizade que era tudo na minha vida, que foi até mesmo durante algum tempo de casadas.

Estranhei ela estar no metrô, ela riu e disse que as coisas tinham mudado. Por sua roupa meio puída pude perceber que sim, mesmo. Estávamos mais velhas e desgastadas pelos nossos sonhos de filhos e destinos de mães e donas-de-casa. Onde estão?... eu queria saber. Eram tantos, se me lembro bem. Gostaríamos de ter tido mais tempo para nós, não é mesmo, Maca? Mas não foi possível.

Ela formou-se em Farmácia, eu, nao me formei em nada, sou artista. Meu desejo sempre foi escrever, ela sabia.

- Eu sei - ela disse, eu sei. Isso me emocionou porque somente a ela mostrei meus escritos bobos de adolescente. Trocávamos poesias e ríamos muito, mas tambem levávamos a sérios as conversas que julgávamos ser profundas, regadas a Herman Hesse, Kafka e sua barata, Clarice (?) e Dostoiévsky.

Planos desfeitos, fobias sob controle, filhos no mundo, eu e Maca repartimos mil segredos entre quatro estações. Trocamos telefones, endereços, lembranças para fulanos, para ciclanos, para beltranos. Macabéa desceu do trem na sua estação e ficou parada na plataforma com um sorriso triste, enquanto eu, vazia de mim, de rosto colado ao vidro, deixei escorrer lágrimas antecipadas.

Sabia que teria que dar adeus a Macabéa. E o nariz escorrendo colado ao vidro trouxe-me de volta ao encantado mundo da infância.

Good bye, Maca Darling, assoei o nariz na manga do casaquinho preto, Sei que vou te amar por toda minha vida, eu vou te amar, mas não sei, todavia, quando vou ter coragem para dizer o adeus.

Tenho certeza de que não foi um sonho.. Eu vi minha prima nesse dia, como no outro dia eu vi o carteiro, já velhinho, que trazia as cartas do meu namorado, era ele, juro. Eu vi todos passando brancos e certeiros diante dos meus olhos marejados, entre as filas de bancos do trem acostumado a tantas esquisitices. Deixei voar minhas saudades, os meus amigos e parentes que morreram, todos eles, o meu filho... com certeza, fizeram mil viagens comigo, nas minhas estações.

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