segunda-feira, 4 de abril de 2011

Revisto - texto sóbrio


Eu sei, darling, que não sou a única, nem tampouco a primeira a escrever em guardanapos de papel. Embora eles (os espiões, o povo da KGB – porque isso só pode ser perseguição ao poeta de plantão) tenham inventado uns guardanapos tão fininhos que tem um lance legal, que é o seguinte: o que você escreve passa para o outro lado, como quando você limpa o batom da boca. Então é como carbono, entende? Escrevo e desenho num monte de guardanapos, depois enfio-os na bolsa e em casa tenho gratas e ingratas surpresas. Os garçons ficam curiosos e esticam os pescoços para ver meus desenhos fantasmagóricos que aprendi com Iberê Camargo e já me chamaram até de gênio. Dai tive que assinar o documento e ofertá-lo ao elogiante, de forma solene e um pouco esnobe tambem, dando uma de Picasso: assino os guardanapos e dou de presente. Erro crasso, pois Picasso vendia.Completamente diferente, mas... nem sou famosa nem nada...Se alguem me chama de genio essa pessoa merece um premio. O último texto que escrevi num guardanapo foi o seguinte: "Protuberências orgânicas e patéticos disfarces na tarde encalorada. Espectros comem e bebem. Engordam e passam fome. Desertam-se e buscam-se nas aventuras. Sinto uma mão fria entre as orelhas. A boca engole." Juro que escrevi isso. Não tenho a menor idéia do que se trata, nem tampouco o que um garçom iria fazer com essas escrevinhaçoes estranhas. São os guardanapos; Eles me provocam algum tipo de surto, uma coisa indescritível.



"

Desisto. Solenemente.
Acabo de limpar o nariz com guardanapos, e não estou entendendo mais o que faço. As nobres missões a que me propus foram duramente criticadas. Agora sou apenas mais uma de ressaca? Não, sou inocente. Estou esperando desde cedo, com minha big bag na mão, na frente do prédio descascado, e ele não vem. Não é o pai dos meus filhos nem responsável pelo prato de cada dia que me cabe, então...., que faço?
O domingo arrasta-se bem na minha frente. São os estertores de uma tarde morna que avisto adiante. Tenho ensaio, sou artista. Vou dizer aqueles versos do Renato Russo sobre o amor, aquele que ele misturou com a 2a. aos Corintios. Tenho violão para me acompanhar, tenho um fardo. As notas dissolveram-se no sol, e eu espero ardente. Ficou ou não?

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