sexta-feira, 19 de novembro de 2010

cinco parágrafos


Subiu a rampa da garagem do prédio numa velocidade que lhe rendeu uma multa e foi motivo de pauta da próxima reunião de condomínio. O tremor era visível nas pernas. Não se dava conta, mas os vizinhos que estavam no elevador olharam de um jeito estranho ("estava bêbada", comentaram depois). Era agora um espectro caminhando dentro da casa vazia, tocando as coisas sem vida: o sofá de dois lugares, as paredes frias, a cozinha...

Sentou-se no banquinho de madeira, até que sentiu o corpo aquietar-se daquela espécie de terror físico. Era a realidade inscrustrada na casa fria. Depois de um longo tempo olhando através da pequena janela, vendo apenas o grande muro que a separava do sol, levantou o corpo pesado, cheio de dor, abriu a geladeira e
procurou entre os restos de comida, algumas frutas, embalagens amassadas de alumínio, uma lata de cerveja. Abiu-a e tomou de um só gole. Sentiu alívio.

Nas paredes, os quadros que ele pintava e outros já embalados para levar à galeria. A cama, os lençóis alisados, perfumados, bem arrumados (ele gostava assim), convidavam...mas ela resistiu. Foi ao banheiro e deixou que a água quente escorresse desde a cabeça até os pés e nesse torpor ficou muito tempo. A água espumada lavou as lágrimas e o cheiro das flores e de defunto. O roupão de flanela, ali, à mão, era dele. Vestiu-o e sentiu o cheiro. NUma estranha repulsa jogou o roupão no chão molhado, e procurou outro no armário organizado meticulosamente (era assim que ele gostava).

Sentia a nova realidade, mas ainda um pouco sem noção. Talvez fosse mais do que aquilo, pressentia.

Quando deitou na cama gelada, novos tremores a atacaram e as lágrimas desceram em torrentes impedindo pensamentos . Finalmente, exausta, dormiu.

OlgaMota

Nenhum comentário:

Postar um comentário