domingo, 21 de novembro de 2010

seis parágrafos (enxerto - A mudança)


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Em meio às malas que surgiram dos buracos negros da parte de cima dos armários, de onde muita coisa despencou, olhava o cinto afivelado que amarrava uma trouxa de roupas. Desamarrou-o e e todo o conteúdo despejou-se pela chão encardido. Roupas, nada mais. Seriam as que ocupariam as malas? Não sabia, estava tentando uma racionalidade que não possuía de maneira alguma. O que levar, o que deixar? Onde deixar, para quem doar?

Se pudesse só o corpo levaria. Se pudesse desapegaria o corpo de todas as necessidades. Como seria: um Bispo do Rosário, talvez...Aquele que queria desfazer-se da matéria para pode subir ao céu ao encontro de Deus, Madre Teresa de Calcutá, Gandhi, esses sábios que não precisavam de roupas, bolsas, sapatos, bijuterias, maquiagem, porta-isso, porta-aquilo, cartão de crédito... Putz...! Sabiam que se tivessem menos matéria a carregar chegariam mais ligeiro. Um ritual de passagem.

Ela, não. O seu caso era mais simples nesse aspecto e complicado de outro - não tinha intenções de subir aos céus e encontrar com Deus, se pudesse promoveria o encontro por aqui mesmo, ela queria apenas e tão somente carregar menos malas e bolsas de mão. As coisas brotavam das gavetas, dos esconderijos, das caixas abertas uma a uma. Uma espécie de afição apertou o coração cansado da noite cheia de pesadelos (sonhou que carregava um caixão leve debaixo do braço à procura de alguem que atestasse o morto, para que se pudesse enterrá-lo. Supunha que ali só haveria ossos, tal a leveza do caixão, e que tambem já fazia algum tempo estava sendo carregado - o resto do sonho só contou à sua mãe, para que sentisse um pouco de pena dela, mas posso adiantar uma pequena parte: o caixao abriu-se).Tudo a ver com a viagem, a mudança. Mudança é morte, e sempre morte, repetiu a vida inteira. Essa sensação sempre a acompanhou nas suas muitas andanças que despertaram a alma cigana que em si habitava, todavia, a sensaçao de aflição diante das coisas - literais, sempre atormentava.

Não deixar nada para trás? Impossível. A "desmaterialização" ainda não lhe era acessível, teria que aperfeiçoar o espírito. As amarras como contas, contratos, consórcios, linha fixa...davam uma impressão de mulher de negócios, quando o seu negócio era somente viver. Onde levaria o violão? Ah, com certeza nas costas (lembrou o caixão do sonho).

Abriu umas outras caixas e descobriu segredos. Cartas, esssas coisas. Rasgou todas em pedaços largos, enfiou num saco plástico e deu um nó bem forte. Lixo. Fotos. Lixo. Cansada de digladiar-se com as coisas, gostaria de tocar fogo em tudo e tentar receber o prêmio do seguro. Iam descobrir, era péssima nos seus planos pérfidos, até o dia de hoje nem umzinho tinha dado certo.

Pegou o casaquinho preto, largou tudo do jeito que estava e saiu para comprar umas cervejas. Melhor beber para esquecer.

OlgaMota

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