sexta-feira, 12 de novembro de 2010

(já vi esse filme) Francisca macabéa da silva

perdeu o dedo indicador da mão direita quando tinha treze anos. Era uma torneira mecânica, e o acidente aconteceu enquanto manipulava uma das máquinas corta-dedos que o patrão azeitava religiosamente às quartas-feiras.
Mas ela não esmoreceu, nao: "teime, Macabéa, teime!", a voz da doce mãezinha ecoava sempre aos seus ouvidos, impulsionando-a a um futuro de sucesso e regalias. Dependia totalmente desses impulsionamentos. Davam-lhe força e às vezes inspiraçao poética. Mas o destino de Francisca Macabéa estava escrito nas estrelas. Teria a sua Hora.

Aprendeu a tocar guitarra e compôs, numa ocasião não muito propícia, dependendo do lado de quem via, um hino. Acabou sendo condenada pela kgb como instigadora das massas, revolucionária, O refrão, supunha-se, nessa época de duras cervizes, ofendia Sua Majestade Imperial, o General.

Criou o Movimento dos Sem Dedos (MSD). Foi presa de forma inesperada, só deu tempo de apanhar o casaquinho preto. Torturada, massacrada, escangalhada, estuprada, culpada, xingada, forçada, quebrada em mil, centrifugada, eletrocutada, escapou com vida graças às origens fortemente enraizadas do nordeste brasileiro. Mulher de fibra de algodão e cana de açucar.


Os adeptos incansáveis do MSD postaram-se durante anos a fio e pavio na porta do presídio berrando histéricamente o refrão amado. Macabéa, do alto da masmorra comandava as massas rebeldes e insuflava as massas flácidas da galera da academia.
Gays desempregados, domésticas, trabalhadores, torneiras, todo o povo, vulgarmente apelidado de povão com alguns aderidos intelectuais "de esquerda" adorava Macabéa.

As palavras de ordem eram gritadas nos estádios cedidos sem infraestrutura (microfones, altofalantes, banheiros), e funcionavam como telefone sem fio, aquela brincadeira que toda criança gosta. Como era de supor, a mensagem saia inúmeras vezes deturpada no fim da fila. Mas era ela. "Macabéa, Éa, Éa, Éa!"
Entrementes, tudo era insulto e horror.

Nas horas meditabundas da prisão, Francisca bolou um plano diabólico: seria Presidente do Brasil. Estava decidida a salvar a pátria mãe gentil das garras daqueles brutos que massacravam o povo, idolatrando, salve, salve, os uniformes galosos.
Teimou, teimou, até que conseguiu. A faixa estava no seu peito forte,varonil, lábaro que ostenta estrelada até o dia de hoje, graciosamente posto sobre o casaquinho novo.



Nos ínterins,antes da vitória final, fazia excursões pelo país, caminhando e cantando, seguindo a canção da glória e da fama, e do poder. Um ídolo, uma paixão nacional.

A partir daí foi uma sucessão infindável de vitórias. Ganhou tantas medalhas que não cabia mais na porta do armário embutido. Chorava a cada vez que seu país ganhava uma Olimpíada, Tourada na Espanha, Baile de Formatura, os Dez Mais. Era tudo pura emoção. Esperar não é saber, filosofava Macabéa.

Sensível, fazia tratamentos de pele e cuidava das madeixas que estavam enbranquecendo. Virou Pop Star, tinha avião particular em consignação e adorava capirinha. Seus olhos gulosos lambiam o destino vorazmente.

Para compensar a fome sofrida no passado de miséria e pobreza, naqueles sarcófagos ambulantes caminhões farofeiros paus-de-arara, Macabéa agora só comia churrasco, e tomava todas as caipirinhas. Acumulou dentro do seu enorme ser físico alguns bois e vacas, já armazenando para as improváveis vacas magras que poderiam vir a ser. Nunca se sabe: ainda tinha medo e chorava à noite pensando na sorte de quem não tinha, como ela, galgado os degraus da fama.

Conheceu os poderosos e zombou deles, apontando-os com o dedo inexistente.
Nunca se soube de aventuras extraconjugais, coisas assim depauperantes. Macabéa era moralmente íntegra nessas questões de sexo.

Falava sobre qualquer coisa com muita propriedade, sabedoria. Afinal, misturada ao povo aprendera muito. Falava a lingua deles, entredentes. Não lhe sobrava modéstia.
Ainda toca sua guitarra nas horas vagas para uma plátéia seleta. Verdade, o refrão mudou: "That Is The Guy, Ai, Ai, Ai."

Ah, Macabéa...

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